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Este microbook é uma resenha crítica da obra:
Disponível para: Leitura online, leitura nos nossos aplicativos móveis para iPhone/Android e envio em PDF/EPUB/MOBI para o Amazon Kindle.
ISBN: 8531612578, 978-8531612572
Editora: Cultrix
Imagine ser convidado para um jantar e servirem cachorro. Você continuaria ali para comer um cão de raça? Se for uma brincadeira e o anfitrião disser que a carne é de vaca você continua à mesa, certo? Por que certas comidas causam essas reações emocionais? Como pode a mesma comida, rotulada de uma forma, ser considerada extremamente saborosa e, quando rotulada de outra maneira, tornar-se praticamente intragável? A resposta a essas perguntas pode ser resumida numa única palavra: percepção. Reagimos de modo diverso a diferentes tipos de carne não porque haja uma diferença física entre eles, mas porque a percepção que temos deles é diferente.
Uma razão para termos percepções tão diversas de carne bovina e carne de cachorro é porque vemos vacas e cachorros de modo muito diferente. O contato mais frequente que temos com vacas ocorre quando as comemos ou as usamos. Mas para um grande número de pessoas, nossa relação com cachorros não é, sob muitos aspectos, assim tão diferente de nossa relação com as pessoas. Afinal, nós os chamamos pelo nome. Dizemos até logo quando saímos e os cumprimentamos na volta. Compartilhamos nossa cama com eles. Brincamos com eles. Compramos presentes para dar a eles. Carregamos suas fotos na carteira. Levamos ao veterinário quando estão doentes e podemos gastar milhares de dólares com o tratamento. Nós os enterramos quando morrem.
Embora os seres humanos possam ter uma tendência inata para ver com bons olhos os sabores açucarados e a evitar os que são amargos e ácidos, a maior parte de nosso gosto é, de fato, construído. Em outras palavras, dentro do amplo repertório do paladar humano, gostamos dos alimentos de que, segundo aprendemos, devíamos gostar. A comida, particularmente a de origem animal, é extremamente simbólica e é esse simbolismo, unido à tradição e reforçado por ela, que é em grande parte responsável por nossas preferências alimentares.
É um fenômeno curioso o modo como reagimos à ideia de comer cachorros e outros animais não comestíveis. Ainda mais estranho, porém, é o modo como não reagimos à ideia de comer vacas e outros animais comestíveis. Há uma disparidade, uma lacuna, um elo perdido, em nosso processo perceptivo quando se trata de espécies comestíveis; não conseguimos fazer a conexão entre a carne e sua fonte animal. Você já se perguntou por que, dentre dezenas de milhares de espécies animais, você provavelmente sente repugnância ante a ideia de comer praticamente todos, com exceção de um pequeno punhado deles? O que mais impressiona em nossa seleção de animais comestíveis e não comestíveis não é a presença de repugnância, mas a ausência dela. Por que não temos aversão a comer a tão pequena seleção de animais que julgamos comestíveis?
Mas por que o sistema chegaria a ponto de bloquear nossa empatia? Por que tantas acrobacias psicológicas? A resposta é simples: porque nos importamos com os animais e não queremos que sofram. E porque os comemos? Há incoerência entre nossos valores e nossos comportamentos e essa incoerência nos causa um certo grau de desconforto moral. Para reduzir o desconforto, temos três opções: podemos alterar nossos valores, fazendo-os combinar com nossos comportamentos; podemos alterar nossos comportamentos, fazendo-os combinar com nossos valores; ou podemos alterar nossa percepção de nossos comportamentos para que eles pareçam combinar com nossos valores. É em torno dessa terceira opção que nosso esquema da carne está moldado.
A principal defesa do sistema é a invisibilidade. Ela reflete as defesas; evitar e negaré a base sobre a qual repousam todos os outros mecanismos. A invisibilidade nos permite, por exemplo, consumir o bife comum sem imaginar o animal que estamos comendo. A invisibilidade também nos conserva bem isolados do desagradável processo de criar e matar animais para nos alimentarmos. O primeiro passo, então, na desconstrução da carne é a desconstrução da invisibilidade, expondo os princípios e as práticas de um sistema que tem, desde seus primórdios, permanecido oculto.
Todos nós sabemos o que é um vegetariano. Embora algumas pessoas possam preferir se tornar vegetarianas para melhorar a saúde, muitos vegetarianos param de comer carne porque não acreditam que seja ético comer animais. Geralmente percebemos que o vegetarianismo é expressão da orientação ética da pessoa. Por isso, quando pensamos num vegetariano ou numa vegetariana, não imaginamos simplesmente alguém que é como todo mundo, com a única exceção de não comer carne. Imaginamos uma pessoa que tem um certo ponto de vista filosófico e cuja opção de não comer carne é reflexo de um sistema de crenças mais profundo, no qual matar animais para atender a objetivos humanos é considerado antiético. Geralmente, usamos o termo “comedor de carne” para descrever alguém que não é vegetariano. Mas até que ponto isso é exato?
Uma ideologia é um conjunto compartilhado de crenças, assim como as práticas que refletem essas crenças. Por exemplo, o feminismo é uma ideologia. Os feministas são homens e mulheres que acreditam que as mulheres merecem ser encaradas e tratadas como iguais aos homens. Como os homens constituem o grupo social dominante, os feministas desafiam a predominância masculina em cada frente, do lar à arena política. A ideologia feminista constitui a base das crenças e práticas feministas. Da mesma forma, a ideologia carnista constitui a base das crenças e práticas de quem come carne.
Embora seja difícil, ou quase impossível, questionar uma ideologia que nem sabemos que existe, isso se torna ainda mais difícil quando a ideologia trabalha ativamente para se manter oculta. É esse o caso de ideologias como o carnismo. Essa é uma ideologia violenta, porque está literalmente organizada em torno da violência física. Em outras palavras, se eliminássemos a violência do sistema, e parássemos de matar animais, o sistema deixaria de existir. A carne não pode ser obtida sem o abate. O carnismo contemporâneo está organizado em torno de grande violência. Esse nível de violência é necessário a fim de serem abatidos animais em número suficiente para a indústria de carne manter sua atual margem de lucro. A violência do carnismo é tal que a maioria das pessoas não se dispõe a testemunhá-la e aquelas que o fazem podem ficar seriamente perturbadas.
Dos 10 bilhões de animais que foram criados, transportados e abatidos no decorrer do ano passado só nos Estados Unidos, quantos foram vistos? Se você mora na cidade, provavelmente quase nenhum. Mas vamos supor que more no campo. Quantas vacas você vê pastando nas encostas? Talvez, um dia, tenha visto cinquenta, se tanto. E quanto a galinhas, porcos ou perus? Vê algum deles? Quantas vezes viu esses animais na televisão, em revistas e jornais, nos filmes? Embora possamos comer carne diariamente, a maioria de nós não para para pensar como é estranho que possamos passar a vida inteira sem jamais encontrar os animais que se tornam nossa comida.
A grande maioria dos animais que comemos não são, como os que estão na indústria agropecuária gostariam que acreditássemos, “vacas satisfeitas” e “galinhas felizes” passeando em meio a campos cheios de relva e em terreiros abertos. Não estão dormindo em baias espaçosas com forragem fresca. Desde o momento em que nascem, esses animais são mantidos em confinamento estrito, onde podem ser vítimas de enfermidades, da exposição a temperaturas extremas, da severa superlotação, do manejo violento e até mesmo de psicose.
O modo mais eficiente de distorcer a realidade é negá-la; se dizemos a nós mesmos que um problema não existe, jamais teremos de nos preocupar com o que fazer acerca dele. E o modo mais eficiente de negar uma realidade é torná-la invisível. A invisibilidade é o bastião de defesa do sistema carnista.
Em ambientes naturais, porcos caminham até 50 quilômetros por dia e podem formar laços de intimidade uns com os outros. Podem conseguir distinguir entre trinta diferentes indivíduos do grupo e vão procurar aqueles com quem têm intimidade e se comunicar. A maioria dos porcos, no entanto, passa a vida inteira em confinamento intensivo e só vê o mundo exterior quando é amontoada em caminhões para ser enviada ao abate. Logo depois que nascem, os porquinhos são, como de praxe, castrados e têm as caudas cortadas, sem anestesia. Mandam os peões removerem (“talhar”) as caudas com alicates rombudos, que só cortam de um lado, porque a ação de esmagamento ajuda a reduzir o sangramento. O corte da cauda é necessário porque, sob extrema tensão e quando todos os seus impulsos naturais foram frustrados, os porcos desenvolvem comportamentos neuróticos e podem realmente arrancar com mordidas as caudas uns dos outros. Essa reação psicológica é um dos sintomas do que é mencionado na indústria como Síndrome do Estresse Suíno, uma condição notavelmente semelhante ao que, nós humanos, chamamos de Transtorno de Estresse Pós-Traumático. Outros sintomas incluem rigidez, respiração ofegante, ansiedade, pele manchada e às vezes morte súbita.
Muitos se sentem ainda mais distantes de galinhas e perus, em parte, ao menos, devido à crença arraigada de que eles são estúpidos demais até para saber se estão sofrendo. As aves, no entanto, são na realidade bastante espertas. Os cientistas agora admitem que esses animais são incrivelmente mais inteligentes do que se imaginava. Galinhas e perus são também bastante sociáveis, o que pode explicar a tendência crescente de tê-los como animais de estimação. Seus donos falam de aves que brincam com eles, procuram-nos em busca de afeto e inclusive se divertem com o cachorro da família.
Como é possível conseguir leite sem prejudicar a vaca, a maioria das pessoas presume que os laticínios estão naturalmente livres de crueldade. “Naturalmente” é a palavra que chama atenção aqui, pois como todos os alimentos de origem animal fabricados em massa, a produção contemporânea do leite é tudo menos natural. Muitas vacas passam a vida em fábricas de laticínios, onde são acorrentadas pelo pescoço e confinadas em galpões, dentro de baias minúsculas, ou vivem ao ar livre em áreas de alimentação cercadas, superlotadas. Nessas áreas de alimentação, as vacas comem de uma esteira transportadora que passa ao longo de uma cerca e o piso onde ficam paradas ou deitadas é de concreto, saturado de urina e fezes. Vacas leiteiras recebem injeções de hormônios de crescimento produzidos por engenharia genética e são todo ano artificialmente inseminadas, de modo a maximizar a produção de leite. Na maior parte dos laticínios, as vacas são ordenhadas por máquinas durante dez meses por ano, o que inclui o período de sete meses durante o qual estão prenhes. Esse processo de inseminação e lactação contínuas estressa de tal maneira seus corpos que, em muitas vacas, surgem defeitos físicos e mastite, uma infecção e às vezes gravíssima inflamação do úbere.
Como os novilhos machos nascidos de vacas leiteiras não têm utilidade para produtores de leite, eles são essencialmente descartados. Dias ou mesmo horas após o nascimento, os novilhos são amontoados num caminhão e alguns precisam ser arrastados, pois talvez ainda não sejam capazes de caminhar de forma adequada. Esses novilhos acabam em leilões, onde podem ser vendidos por quantias irrisórias para produtores de carne de vitela. E como são literalmente recém-nascidos, não é fora do comum que os novilhos no ringue do leilão tenham as peles ainda oleosas do útero e cordões umbilicais pendendo do estômago. Por toda a duração de suas curtas vidas são acorrentados ou amarrados pelo pescoço e confinados em baias tão minúsculas que não podem sequer se virar ou deitar normalmente. E para produzir a cor clara pela qual a carne de vitela é conhecida, os animais são regularmente alimentados com uma dieta não natural carente de ferro, de modo que ficam cronicamente no limite da anemia. Os novilhos passam a vida imobilizados, num estado enfermiço e, como era de se esperar, tem se observado que exibem alguns dos mesmos comportamentos neuróticos que outros animais sob forte estresse: sacudindo anormalmente a cabeça, cavando, dando coices, coçando-se e mascando.
Muitos de nós nos sentimos tão distantes dos peixes e de outras criaturas do mar habitualmente consumidas que sequer pensamos em seus corpos como carne. Tendemos a não perceber o corpo das criaturas marinhas como carne porque frequentemente não pensamos nas criaturas marinhas como animais. E por extensão, não pensamos nesses seres como sencientes, como tendo vida que é importante para eles. Assim, nos relacionamos com os animais do mar como se eles fossem plantas fora do normal, tirando-os do oceano tão facilmente quanto colhemos uma maçã de uma árvore.
Sir Paul McCartney um dia afirmou que se os matadouros tivessem paredes de vidro, todos seriam vegetarianos. Ele acredita que, se conhecêssemos a verdade sobre a produção de carne, seríamos incapazes de continuar comendo animais.
Essas outras vítimas do carnismo são raramente o foco de atenção quando se discute a produção de carne. Também elas são vítimas invisíveis não porque não sejam vistas, mas porque não são reconhecidas. São os animais humanos. São os trabalhadores dos frigoríficos e laticínios, as pessoas que moram perto dos confinamentos poluidores, os consumidores de carne, os contribuintes. Somos eu e você. Nós somos o efeito colateral do carnismo; pagamos por ele com nossa saúde, nosso meio ambiente e nossos impostos.
As Nações Unidas apontaram o setor dos frigoríficos como “um dos dois ou três principais responsáveis pelos mais sérios problemas ambientais, em todos os níveis, da escala local à global. O impacto é tão significativo”, eles advertem, “que precisa ser enfrentado com urgência”. A pecuária é provavelmente a maior fonte de poluição de água do mundo. As principais fontes da poluição vêm dos antibióticos e hormônios, das substâncias químicas dos curtumes, dos resíduos animais, dos sedimentos dos pastos erodidos, dos fertilizantes e pesticidas usados na produção de alimentos.
Ideologias violentas falam sua própria linguagem; conceitos cruciais são traduzidos para manter o sistema, embora pareçam dar apoio às pessoas. Sob o carnismo, por exemplo, a democracia veio a ser definida como a liberdade de escolher entre produtos que adoecem nosso corpo e poluem nosso planeta, em vez da liberdade de comer nossa comida e respirar nosso ar sem o risco de sermos envenenados. Mas as ideologias violentas são essencialmente antidemocráticas, visto que dependem da fraude, do sigilo, do poder concentrado e da coerção.
Para consumir a carne das mesmas espécies que havíamos acariciado minutos antes, temos de acreditar tão integralmente na justeza de comer animais a ponto de sermos privados da consciência do que estamos fazendo. Para esse fim, nos ensinam a aceitar uma série de mitos que sustentam o sistema carnista e a ignorar as incoerências nas histórias que contamos a nós mesmos. Ideologias violentas apoiam-se na promoção da ficção como fato e desencorajam qualquer pensamento crítico que ameace desmascarar essa verdade.
Há uma enorme mitologia em torno da carne, mas todos os mitos estão, de um modo ou de outro, relacionados aos Três Ns da Justificativa: comer carne é normal, natural e necessário. Os Três Ns estão de tal forma entranhados em nossa consciência social que guiam nossas ações sem jamais termos de pensar sobre eles. Eles pensam por nós. Nós os interiorizamos tão plenamente que costumamos viver de acordo com seus princípios, como se eles fossem verdades universais, em vez de opiniões muito difundidas. É como dirigir um carro – depois de aprender a fazê-lo, você não precisa mais pensar em cada ação. Mas essas justificativas fazem mais do que apenas conduzir nossas ações. Elas aliviam o desconforto moral que de outro modo poderíamos sentir quando comêssemos carne; se temos uma boa desculpa para nossos comportamentos, sentimo-nos menos culpados acerca deles. Os Três Ns agem essencialmente como vendas mentais e emocionais, mascarando as discrepâncias em nossas crenças e comportamentos com relação aos animais e justificando-os, se por acaso os percebermos.
Normas sociais não são meramente descritivas, são também prescritivas, ditando como devemos nos comportar. Normas são socialmente construídas. Não são inatas e não vêm de Deus; são criadas e sustentadas por pessoas, servindo para nos manter em linha a fim de que o sistema permaneça intacto. As normas nos mantém em linha mostrando os caminhos que devemos seguir e nos ensinando como devemos ser para nos ajustar a eles. O caminho da norma é o caminho do menor esforço; é a rota que tomamos quando estamos no piloto automático e não percebemos sequer que estamos seguindo um curso de ação que não escolhemos de maneira consciente. A maioria das pessoas que comem carne não faz ideia de que estão se comportando de acordo com os dogmas de um sistema que tem definido grande parte de seus valores, preferências e comportamentos.
A maioria das pessoas acredita que comer carne é natural porque há milênios os seres humanos têm caçado e consumido animais. E é verdade que consumimos carne, como parte de uma dieta onívora, há pelo menos dois milhões de anos. Para sermos justos, temos de reconhecer que o infanticídio, o homicídio, o estupro e o canibalismo são pelo menos tão antigos quanto a ingestão de carne e seriam, portanto, supostamente não menos “naturais”.
A crença de que comer carne é necessário está intimamente relacionada à crença de que comer carne é natural. Se comer carne é um imperativo biológico, trata-se então de uma necessidade para a sobrevivência da espécie humana. E, como acontece com todas as ideologias violentas, essa crença reflete o paradoxo central do sistema: matar é necessário para o bem maior; a sobrevivência de um grupo depende da morte de outro. A crença de que comer carne é necessário faz o sistema parecer inevitável. Embora saibamos que é possível sobreviver sem comer carne, o sistema procede como se o mito fosse verdadeiro; é uma pressuposição implícita que só costuma vir à tona quando é desafiada.
Um mito relacionado é que a carne é necessária para a nossa saúde. Também esse mito persiste diante da esmagadora evidência em contrário. Na realidade, a pesquisa sugere que comer carne é prejudicial à saúde, visto que o consumo de carne tem sido associado ao desenvolvimento de algumas das principais enfermidades do moderno mundo industrializado.
Essa é com frequência a primeira reação que um vegetariano enfrenta depois de revelar sua orientação alimentar. De fato a pergunta é tão comum que se tornou piada corrente entre vegetarianos de um extremo a outro da nação. A pergunta reflete um dos mais comuns e fantasiosos mitos acerca do carnismo: o mito de que a carne é uma fonte necessária de proteína. Os vegetarianos se referem a essa ideia equivocada como o Mito da Proteína. Como outros mitos relativos à carne, o Mito da Proteína existe a despeito de uma substancial evidência em contrário, há muito tempo disseminada. Age para justificar o consumo contínuo de carne e a manutenção do paradigma carnista. Mas é, na verdade, um mito. Para consumir uma dieta que contenha proteína suficiente, mas não em excesso, podemos simplesmente substituir produtos de origem animal por grãos, verduras, legumes (ervilhas, feijões e lentilhas) e frutas. Desde que a pessoa esteja comendo uma variedade de alimentos vegetais em quantidade suficiente para manter o peso, o corpo obtém bastante proteína.
O carnismo distorce a realidade: embora não vejamos os animais que comemos, isso não significa que eles não existam. Embora o sistema não tenha sido nomeado, isso não significa que não seja real. Por mais longe que cheguem e por mais fundo que consigam ir, os mitos da carne não são os fatos da carne. O carnismo interiorizado distorce nossa percepção da realidade: embora os animais sejam seres vivos, nós os percebemos como coisas vivas; embora sejam indivíduos, nós os percebemos como abstrações. – como um “punhado” de coisas; e na ausência de quaisquer dados objetivos que possam nos servir de apoio, nós os percebemos como se sua adequação para o consumo humano fosse uma contingência natural de suas espécies. Por exemplo, se a despeito de todos os esforços feitos pelo sistema, vemos por acaso um dos porcos ou porcas que se transformará na carne que vamos comer, não o percebemos como ser senciente ou como alguém com uma personalidade própria e preferências.
A objetivação é o processo de encarar um ser vivo como um objeto inanimado, uma coisa. Os animais são objetivados de maneiras muito variadas, talvez mais especialmente por meio da linguagem. Objetivar a linguagem é um poderoso mecanismo de distanciamento. Pense em como os trabalhadores de matadouros se referem aos animais que vão matar como os objetos em que eles vão se tornar, não como os animais vivos que são: os frangos são chamados de espetos, os porcos de presuntos e os bois de bifes.
A desindividualização é o processo de encarar os indivíduos apenas em termos de sua identidade de grupo, como se tivessem as mesmas características de qualquer outro membro do grupo. Sempre que nos deparamos com um conjunto de outras criaturas, é natural que pensemos nelas, pelo menos em parte, como um grupo. Quanto maior o grupo, mais provável se torna que vejamos antes o todo que suas partes componentes; quando pensamos numa nação, por exemplo, provavelmente imaginamos seus cidadãos basicamente como membros de um grupo ao qual atribuímos uma série de características compartilhadas. A desindividualização, contudo, é encarar outros apenas como membros de um todo; é a incapacidade de avaliar a individualidade das partes que constituem o todo. É o que acontece com nossa percepção dos animais que comemos.
Uma pesquisa recente sugere que pode haver uma base biológica para a empatia. Em outras palavras, os humanos podem ser naturalmente empáticos. Os cientistas descobriram que nossos neurônios-espelho, neurônios de nosso cérebro que disparam em resposta a ações, podem ser ativados se estamos executando as ações ou apenas testemunhando-as. Por exemplo, ver um homem ou uma mulher chutar uma bola, chorar, ser ferido ou se contorcer com um inseto rastejando por suas pernas ativa as mesmas áreas de nosso cérebro que aquelas que seriam ativadas se os eventos estivessem acontecendo diretamente conosco. Assim, até certo ponto, sabemos o que o outro sente não apenas porque tentamos nos colocar no lugar dele, mas porque estamos literalmente sentindo a mesma coisa.
Todos os sistemas violentos são ameaçados por testemunhos em massa porque sua sobrevivência depende do oposto: da dissociação em massa. A dissociação é a defesa fundamental do carnismo, o centro do entorpecimento psíquico; todas as outras defesas dão suporte a esse mecanismo central. A dissociação está psicológica e emocionalmente se desconectando da verdade de nossa experiência; é o sentimento de não estar totalmente “presente” ou consciente. Como outros mecanismos, a dissociação é às vezes adaptativa ou benéfica. Por exemplo, quando um indivíduo está sendo vítima de alguma coisa, ele com frequência se dissocia automaticamente para não ser dominado pelo estresse. Ele pode descrever essa sensação como um “desligamento completo” ou uma “experiência fora do corpo”. Mas como outros mecanismos, a dissociação pode ser inadaptativa; pode ser usada para perpetuar a violência, não para responder a ela. Em sua forma mais extrema, a dissociação pode permitir que um perpetrador desenvolva uma dupla identidade, com um segundo “eu” que toma a frente quando ele está violentando outros.
Os mecanismos que permitem o consumo de carne em grande escala não são exclusivos do carnismo. O carnismo é apenas uma das numerosas ideologias arraigadas ou dominantes. E qualquer ideologia dominante que precise da participação de indivíduos que, se fossem mais plenamente informados, talvez escolheriam negar-lhe suporte, utiliza os mesmos mecanismos que o carnismo. Assim, compreender o carnismo pode nos ajudar a pensar mais criticamente sobre todos os sistemas de que participamos. Pense nos argumentos e na psicologia que têm possibilitado o ódio e a discriminação generalizados contra os homossexuais, no profundamente arraigado sistema de apartheid e no genocídio em Darfur. Em cada um desses casos, a violência tem sido negada, justificada e distorcida para angariar apoio em massa. O mesmo se aplica ao ato de testemunhar: como as ideologias destrutivas compartilham aspectos estruturais semelhantes, testemunhar contra o carnismo pode nos proporcionar uma moldura para testemunharmos contra outros sistemas. Na verdade, a aptidão para testemunhar ultrapassa o carnismo porque testemunhar não é meramente uma coisa que se faz; é como se é. Testemunhar não é uma prática isolada, mas um meio de a pessoa se relacionar consigo mesma e com o mundo.
Alguns hábitos estão arraigados de forma tão profunda em nós que acreditamos serem normais, naturais. Comer carne é um deles. Quantas vezes paramos para pensar em tudo o que isso causa ao longo de todo o processo até que nossa faca passe por um bifinho suculento? Melanie Joy nos faz refletir sobre nossa alimentação. A cada mordida, gritos de sofrimento de animais, de nossa saúde e do planeta. Vale a pena ler e rever nossos hábitos alimentares.
Comece a desapegar do carnismo aos poucos, deixando de comer carne diariamente, por exemplo. Não é um processo fácil, mas o planeta, os animais e o seu corpo agradecem.
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Melanie Joy é uma psicóloga social americana e ativista vegana, principalmente notável por promulgar o termo 'carnism'. Ela é professora de psicologia e sociologia na Universidade de Massachusetts Boston, bem como presidente do Beyond Carnism, também conhecid... (Leia mais)
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